terça-feira, 20 de abril de 2010

CERTIFICADO DE VIDA

O dia amanhece. A claridade do sol varre para longe a escuridão presa nos olhos sonolentos. Abro a janela. O mundo dá sinais de vida.
O canto dos pássaros avisa-me de que posso ouvir. O pé de jasmim embaixo da janela diz-me que posso sentir os cheiros do mundo. As borboletas esvoaçando por sobre as flores avisam-me de que “há muita vida lá fora”. As pernas dizem-me que posso andar, os braços, que posso abraçar. Do fundo do quintal, chega-me o perfume do bogari e do jasmim laranja. Há, sempre, nas manhãs de sol, uma mensagem qualquer escondia nas pequenas coisas que às vezes olhamos sem ver. Olhamos, sim, para trás e nos questionamos de tudo quanto gostaríamos de ter feito e o quanto ainda existe por fazer. Lamentar não reconstrói nem devolve os erros transformados em acertos.
Esta manhã dourada, plena de amor e de energia entrega-me um certificado de vida.
O pássaro canta, veio para cantar. Ninguém manda nem ensina. Preso na gaiola se faz de mudo. Desaprende. Entristece.
O homem escreve, compõe e, na verdade, não cria nada. Nem canta como o pássaro, nem exala perfume como as flores, nem voa como as borboletas. Acredita que é soberano enquanto copia a natureza para poder escrever, pintar, compor.
O artista, seja lá de qual for a arte, começa uma obra. Logo percebe um passarinho que canta, mesmo que não seja o sabiá que cantava nas palmeiras das terras de Cassimiro. O vento, parceiro indispensável chega para ajudar a maldita da inspiração, mesmo que não seja o vento que “balança as palhas do coqueiro”. O mar não tem descanso nas idas e vindas, entra nas criações e não importa se é ou não “doce morrer no mar nas ondas verdes do mar”.
Ninguém paga pelos serviço desess coadjuvantes sem os quais as histórias não passariam de meras ideias.
A arte é apenas a natureza aprisionada.
Por que me calo e deixo de celebrar, todos os dias, a vida que corre nas artérias das manhãs?