sábado, 27 de março de 2010

ELIANA LAWIN

Entraste apressado como um furacão perdido no tempo, a hora combinada já ia longe e o Sol punha-se, arrefecendo os seus raios no mar. Fui a primeira a abrir a porta depois de muitos anos em que eras tu que desesperavas com os meus atrasos sempre por demais prolongados. Desta vez a tua chegada não era ansiada, podia ter ficado dias, sentada naquela cadeira, vagueando o olhar pelas paredes envidraçadas e os dedos a bater no tampo da mesa de carvalho envernizado. A tua cara espelhada em cada em cada peça…o tempo fizera de ti um homem importante, quem diria? Choviam-te elogios, caiam-te aos pés como folhas caducas de Outono e tu abrias caminho entre os destroços, remavas contra a maré e não tinhas tempo a perder. As tuas horas tornaram-se escassas, a tua vida uma azáfama de compromissos inadiáveis e os teus dias pacíficos viraram uma roda-viva que não cessa. Vinhas acompanhado, morena de caracóis, uma pele resplandecente de porcelana e olhos claros, quase transparentes, se o nevoeiro não pairasse no fundo, revelando o sorriso falso e a simpatia fingida. Sentaram-se lado a lado, cúmplices, sérios e conscientes do que se seguiria. Não era mais do que um “negócio” rotineiro, procedimentos habituais e as burocracias do costume. Abris-te a pasta, de couro preto, retiraste os papéis imaculadamente brancos e deixaste que fosse ela a encarar-me com os seus conhecimentos superficiais sobre um assunto que não lhe dizia respeito. E pensar que me endividei por ti, desejei-te demais da conta e acabei na falência. Se fosse hoje… não mudava um traço rasurado do nosso esboço, uma palavra fora da linha, o nosso amor em desalinho e de novo os mesmos erros ortográficos de outrora como se nunca nos tivessem ensinado a conjugar os verbos nas formas correctas. Havia um vazio, um silêncio oco no fundo dos teus olhos, o teu corpo ausente de impaciência, nunca me fitaste, talvez com medo de te afundares nas lágrimas que só tu podias sentir a correr no fundo do meu peito. Assinei cada folha sem convicção e sem pressa, quando nos despedimos de uma parte de nós temos antes que chorar todas as lágrimas, desembaraçar cada nó e no mais íntimo de nós, abrir mão para regressarmos em paz à solidão dos dias. Pousei a caneta na mesa e com um jeito cuidado, terno até, pegas-te Nele ainda a bombear o ar como se porventura me pertence-se, colocaste-o numa caixa de cristal, contemplaste-o com admiração e o teu rosto brilhava de satisfação, Ele era forte, não se deixou abater, nem esmoreceu. Fechaste a caixa como um cofre-forte, levantaste-te e o teu andar de Príncipe Real não te abandonou, agora o meu bem mais precioso era teu, se não para sempre, enquanto os dias nascessem. No último instante, repousaste o teu olhar no meu, antes de fechares a porta, abraçaste-me demoradamente em segredo, afastaste-te a medo com um receio profundo de que ainda houvesse algum elo que nos ligasse e este se quebrasse no teu primeiro passo distante. Sorri-te com doçura, incentivando-te a partir com o meu olhar ainda a sussurrar-te saudades esquecidas. No momento em que os teus olhos se desenlaçaram dos meus, o pulsar no fundo da tua mão findou e a caixa pintou-se de um vermelho vivo, viraste-te num impulso rápido, à tua frente estava a minha cadeira vazia e uma Fénix renascida das cinzas voava no horizonte.