sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

ESPELHOS

Olhei, vi, pendurada na parede, a imagem embalsamada que, por muito tempo ainda, me manteria presa à vida. Queria que com ela se esvaíssem os enganos multiplicados, divididos, somados e subtraídos de uma felicidade fugaz. Queria desviar a vista e deixar que se apagassem no ar mensagens escritas no passado com o sangue das minhas metamorfoses. Abro os olhos. Ah! Meus olhos. Neles, sombras de tristezas tão vivas, tão presentes me fazem sentir entre os braços uma saudade amarfanhada se aninhando, se enroscando projetando no espelho uma imagem impossível. Ali, naquele momento, senti a dor dividida. A dupla imagem da tristeza escrita no brilho prateado e enganoso dos espelhos. Surgiu assim, de repente, como se fossem nuvens. Agora sei, existem tristezas alegres e tristezas tristes. As tristes são as que se vestem de luto, de melancolia. Cobertas de cinzas, austeras e silenciosas alimentam-se de lágrimas e soluços. Apagam os olhos desenham imagens descoloridas, perigosas. Espelhos sem luz guardados nos esconderijos do tempo. As tristezas alegres vestem-se de saudade, de nostalgia. Devolvem-nos lembranças de momentos felizes, chegam assim como raios de sol desenham nas nuvens o sorriso do arco-íris. Meus olhos. Ah! Meus olhos aos poucos se apagam. Águas paradas já não choram lágrimas de alegria. Rios presos nos cascalhos das enxurradas. Espelhos apagados, espelhos sem luz.