quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

No teu perfume...

No teu perfume , eu encontro motivos para te fazer viver para sempre. Na minha memória, bem entendido. O teu cheiro quando vinhas para casa, molhada da chuva, com o cesto de vime cheio de legumes a e moldurar o peixe que tu escolhias sempre fresco. Ou o aroma dos teus beijos na minha face, quando me convencias a ir para a escola, quanto tudo aquilo que eu queria era continuar a estar contigo. Sem desenhos parvos e colagens absurdas que eu fazia com os outros miúdos na sala de aulas. Contigo, as horas eram festas e as tardes eram carnavais de histórias que tu me contavas, para me convencer a dar mais uma garfada. Não eras a minha mãe mas talvez fosses personagem de um patamar superior. De um livro de contos. Ou faixa de um disco , já muito riscado, que eu ouvia vezes e vezes sem conta contigo ao pé de mim.Tudo o que tenho de ti, agora, são fotografias com sorrisos teus e o teu perfume, que por vezes muda consoante a memória que me deixaste. Como podes tu já não existir, se eu ainda te tenho guardada em aromas e movimentos teus, quando eu fecho os olhos? É o meu grande paradoxo.Uma certeza absoluta que eu tenho, mas que não poderia mostrar aos outros se assim quisesse.Sabes que às vezes penso que posso falar contigo nos meus sonhos? Deito-me a pensar que vou poder controlar um sonho, que ainda vou ter, e aí vou conseguir agarrar-te para guardar novas palavras tuas, diferentes das que já tenho e sei de cor, e talvez até ter o poder de trazer-te comigo para o dia de amanhã. Isso nunca acontece. E talvez nem tu quisesses caminhar aqui outra vez, se pudesses escolher, porque isso já não te faz sentido. Resta-me o teu perfume.... um cheiro suave a flores no escuro do cinema, que alguma senhora teve a ideia de usar durante o filme; ou um aroma a caramelo derretido numa pastelaria qualquer que eu entre, e que me vai fazer lembrar os bolos que tu fazias a meu pedido. Não há dia de chuva, birra de criança que não quer ir à escola, bolos quentes ainda a cheirar, perfume de rosas a dançar no escuro ou uma avó que lê uma história aos netos no jardim que não me faça sorrir sempre com a tua imagem guardada, que eu torno a ir buscar. Sempre.